sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Cotidiano

A praça da Alfândega é, sem sombra de dúvidas, o local em Porto Alegre que abriga o maior número de manifestações culturais na cidade durante a semana. Podemos encontrar desde um tiozinho que vende a solução para o mistério de fazer um bonequinho se mexer aparentemente sozinho até crianças indígenas cantando de forma no mínimo desafinada, passando pelo cara que canta Bob Dylan com violão e microfone em um volume altíssimo.

E têm público, viu. Sempre fiquei impressionada com a quantidade de gente que pára pra ver. Nunca tem menos de quatro olhando pra eles. Porque, céus!, quatro é muita gente pra esse tipo de coisa.

Mas hoje, voltando do meu almoço, por volta das 12h, me deparo com a coisa mais fantástica que já vi no centro da cidade. E olha que já vi até chuva de moscas. Um espetáculo teatral em plena praça da Alfândega. Não era gente querendo ganhar moedas ou vender falcatruas. Eram pessoas transmitindo alegria e cultura de graça, em troca de sorrisos.

Parece difícil de acreditar, mas eram mais de 100 pessoas aglomeradas em volta do grupo teatral, que cantava e dançava músicas que no início eu não conseguia entender bem, mas me soavam muito, muito brasileiras. E aquilo me deixou maravilhada.
Mais tarde, abordei uma jornalista - havia vários lá - para saber do que se tratava. Era a estréia do espetáculo O Amargo Santo da Purificação, uma biografia do revolucionário Carlos Marighella, do grupo Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Isso explicou muito do meu estranhamento com a profissionalidade do grupo, bem diferente do tipo de teatro que costumamos ver na rua. A intervenção fazia parte do Porto Alegre Em Cena, o que explica também a presença da imprensa, que normalmente não dá espaço pra esse tipo de manifestação. Mas isso era só pra explicar de uma vez do que se tratava.

O espetáculo era sensacional, daqueles que te envolvem e te fazem entrar em um mundo paralelo. Muitos atores, figurinos, maquiagens, máscaras, músicas, bonecos, cores, danças, pernas-de-pau... Remetia a apresentações de circo, coisa que hoje em dia vemos apenas pela TV.
Mas as pessoas deram um show à parte, involuntariamente. A praça cheia, em plena hora do almoço no centro da cidade. E toda aquela gente parou para ter um pouquinho de alegria entre uma metade do expediente e a outra, entre as compras e a ida ao banco, antes ou depois do colégio. É claro que havia o público habitué do Poa em Cena, mas eles eram a minoria e se perdiam entre velhos, adolescentes, pais com os filhos no ombro, homens engravatados, mendigos, e até mesmo os próprios artistas da praça, que cederam seu espaço para se tornarem espectadores por alguns momentos.

Diante do espetáculo, as pessoas não percebiam as diferenças entre si. Aliás, esqueciam inclusive que não se conheciam e comentavam com o "vizinho" coisas sobre a peça, perguntavam coisas, compartilhavam admirações e dúvidas. E tinham em comum o sorriso. Sorriso gerado pela beleza, pela graça, pela alegria dos atores e pela proximidade com a arte.

Arte essa que, num lindo dia de sol, parou a praça da Alfândega. Arte que me fez, pela primeira vez em um ano e três meses, fazer mais de uma hora de almoço. Arte que, para a maioria dos que estavam lá, apareceu de forma busca e inesperanda, rompendo o cotidiano e a rotina da forma mais bela que se pode imaginar.

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